Beyonders 6: Além do Quadro
Kate e Jota contemplam um quadro. Kate recebe um conselho inesperado. A busca por Sam continua.
— Isso aqui tá muito estranho.
— Liga de novo no celular dele.
— Liga você agora.
Caixa postal. Fora de área ou desligado. A preocupação de Kate começou a crescer. Jota foi até a janela dar uma olhada em volta.
— Nada. Ele não está lá embaixo. Nossa, olha só, tem mais um gato na janela da vizinha do Sam. E que vizinha, heim?
Kate revirou os olhos.
— Pô, Jota! Foco, cara.
— Tá bom, tá bom. O que foi, Bichano?
O gato de Samuel começou a miar compulsivamente, os olhos arregalados fixos no quadro em frente ao sofá.
— Olha lá, Kate, ele tá com aquele olhar vidrado de novo. Já falei, esse gato tem problemas neurológicos.
— Jota, todo gato é neurótico. O que ele está olhando?
— Provavelmente viu algum bichinho ou algo assim no quadro, e...
Jota parou de falar abruptamente, enquanto fixava o olhar em um ponto no quadro.
— Kate, olha só que coisa estranha.
— O quê? — Ela se aproximou e olhou para onde Jota apontava.
No quadro, pintado em uma técnica de sumi-ê, com um realismo impressionante, via-se um chinês mandarim, de barba grande, sentado em uma pedra, conversando com uma pessoa de pé, usando... jeans?
— Mas que porra é essa? — Jota estava perplexo. — Será que o Sam andou alterando essa pintura raríssima? Não posso acreditar.
— Ah, Jota, estamos com um problema real aqui e você fazendo análise artística da obra?
— Mas você tem que admitir, esse auto-retrato do Sam no quadro parece que foi feito na mesma época do original. Tá genial.
— Genial vai ser quando eu encontrar ele. Isso foi o cúmulo de todos os sumiços dele.
— Onde você vai?
— Sair pela porta da cozinha. Aqui, como imaginei, com a chave sempre por dentro.
— Só agora tu me fala isso. Beleza, vou junto. Já tô atrasado para o Sketch Draw. Tchau, Bichano.
Kate abriu a porta, fechou-a e deixou a chave atrás do extintor de incêndio no corredor do andar de Sam, um lugar que ela sabia que a família dele usava para deixar as chaves caso alguém tivesse esquecido. Desceram as escadas, Jota saiu primeiro. Ela parou, olhou novamente para as escadas acima, com uma mistura de irritação e preocupação.
"ONDE ele foi?" ela acabou perguntando em voz alta.
— Tem certeza que essa é a pergunta certa?
Kate deu um pulo de susto. O senhor meio oriental, que havia visto antes no elevador, a observava sentado no hall de entrada do condomínio.
— O senhor viu meu amigo?
— O que carregava HQs na mão? Saiu absorto pela porta agora.
— Não, o outro, que estava comigo no elevador.
— Ah, o Sam. — Ele sorriu, compreensivo.
— Isso, ah, o senhor deve conhecê-lo, claro. O senhor o viu? Estou realmente preocupada.
— Eu vejo que está. Não, depois que vocês subiram, não o vi mais.
Ele olhou profundamente nos olhos de Kate, que sentiu um arrepio, como se estivesse prestes a entender algo importante.
— Me diga, senhorita...
— Katarina. Kate.
— Katarina! Lindo nome. Katarina, você está sentindo algo diferente, não está? Não se ofenda, mas como conheço Samuel e sua família há muito tempo, embora tenha trocado poucas palavras com ele, vou lhe dar um conselho. Você parece uma moça muito inteligente. Tenho certeza que, se pensar um pouco e fizer a si mesma as perguntas certas, encontrará o que procura.
Kate ficou pensativa. O homem se levantou e começou a caminhar, deixando-a por alguns segundos perdida em seus pensamentos antes de reagir.
— Ei! Qual é o seu nome?
Mas o homem já havia desaparecido.
Kate alcançou Jota decidiram continuar a busca de Sam pelas redondezas. Enquanto caminhavam pelos bairros da Trindade e Serrinha, próximos à UFSC, o clima de tensão não diminuía. Kate se lembrava de outras vezes em que Sam havia sumido, mas dessa vez parecia diferente, mais urgente.
— Jota, e se algo realmente grave aconteceu? E se ele está em perigo?
— Kate, calma. O Sam é esperto. Ele já se meteu em situações estranhas antes e sempre deu um jeito de sair delas. Mas confesso que dessa vez também estou preocupado. Ele nunca deixou o celular desligado por tanto tempo.
Passaram pela Praça Santos Dumont da Trindade, onde Jota iria participar do evento Sketch Draw. As lembranças de tardes passadas ali surgiram na mente de Kate, aumentando a saudade e a preocupação. Eles verificaram todos os cantos, mas nenhum sinal dele.
— Jota, e se ele voltou para casa? E se a gente está procurando no lugar errado?
— Pode ser. Vamos dar uma olhada lá, então. Depois eu volto pra cá.
Voltaram para o apartamento de Sam, a esperança renovada de que encontrariam alguma pista. Dentro, encontraram sua mochila alguns desenhos, um caderno com anotações sobre semiótica e o livro que Sam estava lendo recentemente. Mas o que mais chamou a atenção foi uma foto antiga de Sam e um homem mais velho, ambos sorrindo, em frente a um quadro de paisagem chinesa.
— Essa é a mesma paisagem do quadro na sala dele, não é? — perguntou Jota.
— Sim, Lótus Peak. Mas quem é esse homem com ele? Eu nunca o vi antes.
— Talvez seja algum parente? Um avô ou algo assim?
— Pode ser. Mas o que essa foto está fazendo aqui?
Antes que pudessem discutir mais, ouviram um som atrás deles, na janela. Viraram-se rapidamente, mas era apenas um gato. Não o Bichano, mas outro, com uma expressão igualmente enigmática, andando no parapeito.
— Gatos são malucos. Será que isso é um sinal? — perguntou Jota, tentando fazer uma piada para aliviar a tensão.
— Talvez. Ou talvez estamos ficando paranoicos.
Continuaram procurando pela mochila, mas não encontraram nada mais de significativo. Kate olhou mais uma vez para o quadro na sala. Algo sobre aquele lugar parecia chamá-la, mas ela não conseguia entender o quê.
— Jota, e se esse quadro for mais do que apenas uma pintura? E se tiver algo escondido nele?
— Como assim?
— Não sei. Talvez uma mensagem, um código, algo que Sam tentou nos mostrar e nós não percebemos.
Eles examinaram o quadro mais de perto, procurando por qualquer coisa fora do comum. Kate lembrou-se do que o homem oriental havia dito sobre fazer as perguntas certas.
— Jota, e se... e se essa pintura for uma porta?
— Uma porta? Kate, isso é loucura.
— Pode ser, mas até agora nada faz sentido. E se formos além do que é óbvio?
Eles decidiram tirar o quadro da parede. Atrás dele, para surpresa deles, havia uma pequena inscrição em mandarim.
— O que está escrito aí? — perguntou Jota, tentando decifrar os caracteres.
Kate pegou celular com o tradutor e apontou para os hanzis.
— Eu acho que diz algo como... "Entrada para a verdade oculta".
— O que isso significa?
— Não sei, mas acho que estamos mais perto de encontrar o Sam do que pensamos.
— Ok, Kate. Mas agora eu realmente preciso ir. Combinei de encontrar uma amiga na praça da Trindade.
— Tudo bem, Jota. Vai lá. Obrigada por ajudar.
— Qualquer coisa, me liga. E não fica sozinha aqui por muito tempo, tá?
— Pode deixar.
Jota se despediu. Kate se sentou no sofá com Bichano ao lado, olhando para o quadro, tentando desvendar o segredo. O cansaço tomou conta e ela acabou adormecendo.
Ela sonhou com Sam. Os dois estavam correndo de algo ou alguém, e ela tentava desesperadamente pensar na resposta de uma pergunta. A tensão no sonho era palpável, e ela acordou sobressaltada.
Samuel ainda não estava lá. Fez um carinho no Bichano e saiu pela porta para casa, a preocupação ainda martelando em sua mente.
(Continua).