Beyonders 7: Potencial
Em uma jornada surreal, Samuel descobre segredos ancestrais e deve dominar seu novo poder antes que o tempo se esgote.
A pergunta havia deixado Samuel atordoado.
— Como assim, meu passado?
— Sim, seu passado, Sam. Já ouviu a expressão "diamante de mil faces"?
Silêncio.
— Um diamante lapidado pode ter muitas faces, mas continua sendo o mesmo diamante. O mesmo se aplica ao que movimenta o humano em você.
Sam permanecia confuso.
— Temos pouco tempo e preciso que você entenda rápido. Mesmo que não absorva tudo agora, a semente será plantada.
De repente, o mandarim começou a desenhar na terra com um graveto, originado de algum lugar desconhecido por Sam. Ele esboçou um triângulo equilátero e adicionou um pequeno círculo com um ponto no centro. Nos quatro vértices ele grafou mais 3 círculos pequenos.
— A tríade está na base de tudo, Sam. Você cresceu familiarizado com a dualidade — bem e mal, bonito e feio, alto e baixo. E sim, o universo apresenta dualidade em tudo, como o Yin-Yang. Mas tudo se transforma ao adicionar um simples elemento.
— Qual elemento?
— Vida.
Sam ficou atordoado novamente.
— Veja, adicione vida e você terá uma mente em ação, por mais primitiva que seja. Chame de alma, consciência ou princípio inteligente. A vida complica tudo. Compreende?
Tudo aquilo parecia cada vez mais surreal. Sam não sabia onde estava ou quando estava. Tentou buscar algo lógico para se agarrar, mas só conseguia pensar em histórias de ficção científica, como aquela do Homem-Aranha atravessando uma dimensão com uma adolescente. Qual era mesmo o nome?
— Samuel! Aqui e agora, foco. — O susto trouxe Sam de volta à realidade.
— Tudo neste universo é energia, Sam. Mas há uma energia bruta que, ao entrar em contato com a vida, ganha uma... assinatura, se transforma, pode ser moldada. A isso chamamos de fenômeno. Tudo que a vida, a mente pode perceber.
O mandarim continuou, sem olhar para Sam, seus olhos profundos perdidos ao longe.
— Garoto, nesta dimensão tudo é mediado por... signos, representações. Essa é uma ponta da equação — e apontou para o círculo no topo do triângulo.
— Você quer dizer, nesta dimensão em que entrei, ou na real, de onde eu vim?
O mandarim sorriu levemente, olhando para Sam antes de continuar.
— Real? O que é real? Um signo é sempre uma representação de algo além dele mesmo, e mesmo assim é tão real quanto aquilo que representa.
Ele olhou para o triângulo na areia e aproximou as mãos do chão.
— Dominar todas as formas como esses fenômenos se apresentam depois de entrar em contato com a vida, é o seu dom imediato.
A areia marcada pelo desenho começou a se moldar em uma pirâmide, subindo lentamente do chão. No topo, o círculo — agora uma esfera — permanecia flutuando alguns centímetros acima.
— Veja, Sam, eu imprimi minha energia na areia aqui no chão, inscrevi um código, uma informação neste elemento, e agora estou usando o que me permite viver nesta dimensão para manipular essa energia conforme minha vontade.
Sam, com os olhos vidrados, ainda se sentia como se estivesse em um sonho, mas tudo era intensamente real. O mandarim então pegou a mão de Sam e a aproximou da pequena pirâmide de areia, que agora tinha a textura do cimento ao toque de Sam. Depois, o chinês fez um movimento e a areia despencou no chão.
— Tudo é mais ou menos permanente, conforme a quantidade e intensidade da energia que se coloca, Sam. E claro, o foco.
Sam ainda estava com os olhos fixos no chão.
— Sam, você está devaneando de novo. Tente focar. Ou sabe-se lá onde você irá parar. — Isso assustou Sam.
— Como assim, onde vou parar?
— Preste atenção. Você veio parar aqui porque o vínculo com esta realidade é forte. Neste tempo, nesta época. Aqui é um recorte no tecido daquilo que chamamos de realidade. Tudo é uma questão de sintonizar a frequência certa. Tem a ver com afinidade de pensamento, sentimento e manipulação de energia, como acabou de ver. No seu caso, inconscientemente. Ainda.
— Você está dizendo que o quadro que eu tenho na sala é um... "sintonizador" temporal?
— Não. Eu estou dizendo que você comprou o quadro porque algo nele o atraiu, e hoje você sintonizou com as energias impregnadas nesse quadro, dobrou tempo, espaço e dimensão e se teletransportou para este momento. É tudo questão de ajustar para vibrar na frequência correta.
— E como eu fiz isso?
— Como é uma segunda parte. Você fez porque é isso que fazemos.
— Fazemos?
— Nós. Os que vão além. Já fomos chamados por muitos nomes! Ma'bra, os que faziam milagres na antiga Mesopotâmia, e Chāoyuè zhě pelos chineses, milênios atrás. Na Grécia antiga, aceitos nos altos círculos do saber, éramos os Hoi Péran, e tidos como mensageiros dos deuses pelos romanos, chamados Qui ultra! De onde você vem, por muitos séculos, os povos originários do novo continente nos viam como elementais, divindades da natureza, Maẽ-mocõ — literalmente, os que vão além. Nos seus dias, preferimos nos chamar de Beyonders. Aqueles que viram e experimentaram além do normalmente aceitável. Avançaram uma etapa no processo evolutivo.
— Beyonders? Como se fossem... mutantes?
O mandarim o olhou intrigado, sem entender o sentido da pergunta.
— Não, nada de mutante, nada de mutação. Apenas o uso mais avançado do potencial que qualquer ser humano traz dentro de si.
— Então eu sou algo como... um Jedi?
— Jedi?
Sam se sentiu idiota.
— Um termo para um tipo de herói mais... evoluído, acho.
O chinês gargalhou alto.
— Você anda lendo muita mitologia. Herói já era uma expressão ultrapassada há séculos atrás deste tempo. Não. Você tem o potencial e já está fazendo uso dele. Está aprendendo a olhar além. Agora, todo poder em si não é bom, nem ruim. É apenas um fator adquirido. E cada um usa com um propósito. Porém, toda ação...
— Implica em reação. Entendi. Mas o que significa isso tudo, o que eu tenho que fazer?
— Você veio para cá porque sintonizou sua frequência com esse tempo-espaço, e isso o levou a se teletransportar para esse momento.
— Teletransporte no tempo-espaço, ok.
— Tudo ao seu tempo. E como disse, temos pouco tempo. Você precisa voltar. Muita coisa está em jogo. Por enquanto posso apenas dizer que isso é como um revezamento. Eu preciso passar o bastão. Você é provavelmente o primeiro a despertar na sua geração. Isso pode dar em tudo, ou não dar em nada. Lembre-se, você ainda é apenas um potencial.
Sam de repente lembrou da professora. Algo chamou sua atenção pelo canto do olho.
— Algo aqui não está certo.
O mandarim olhou para um ponto fixo no espaço, sem nenhuma expressão reconhecível. Virou lentamente a cabeça para a direita e suspirou.
— Esse momentum foi comprometido, Sam.
O Mandarim levantou e buscou algo em sua bolsa. Em seguida, entregou a Samuel um saco surrado e sujo, mas de certa forma charmoso, amarrado cuidadosamente com um cordão.
— Posso..?
— Sim, mas rapidamente. Você terá tempo de olhar depois.
Dentro, Samuel encontrou um livro desgastado com um símbolo familiar: a pirâmide desenhada com um círculo e um ponto no centro. Ele ainda tentava lembrar onde havia visto aquele símbolo antes. Junto com o livro, havia uma imagem de um golfinho talhada em madeira e a inscrição Ālǐ áng.
— Guarde isso com você até nos encontrarmos novamente.
— Não, espere! Eu preciso entender.
— Sam, nosso tempo acabou. Você precisa voltar.
Barulho de cascos de cavalo e gritos de comando, subindo pela trilha. Não havia para onde ir dali, apenas precipício abaixo.
— Voltar, como? Eu não sei nem como eu cheguei aqui.
— Você ainda está no primeiro estágio, é um Beyonder físico. Seu teletransporte é condicionado dentro de signos já estabelecidos e familiares. Você precisa de algo que o conecte com o tempo e a realidade anterior a esse, antes de ter vindo pra cá. Algum objeto para gerar uma conexão e pensamentos intensos o suficiente em sentimentos positivos para gerar o empuxo. Você entendeu, Sam? Você tem algo com você que possa servir de suporte físico?
Sam pensou, percorreu seus bolsos com as mãos. Lembrou: "A foto do quadro".
— Bem, tem essa foto no meu celular...
O chinês olhou com estranheza o objeto nas mãos de Sam.
— Fascinante. Se é uma representação, vai servir. Olhe para ela do jeito que olhou para o quadro e foque em algo que o conecte fortemente ao lado de lá. Não temos mais tempo.
— Mas, e agora? O que eu faço depois?
O oriental olhou fixamente nos olhos do rapaz.
— ISSO é o mais importante: procure o símbolo que te mostrei. Estude-o. Entenda-o. Ele vai te levar onde você precisa chegar. NÃO HÁ MAIS TEMPO!
Uma flecha passou voando entre os dois. Vários homens gritando:
— Ali! Ele está ali!
— Sam, vá, agora!
--- continua ---