2001, setembro, Brasil, Florianópolis. 11h am
É fácil esquecer.
Foram nove meses de preocupações, transformações, transições. Tudo isso foi eclipsado quando dois olhares — um jovem e outro antigo — se encontraram pela primeira vez. Quase um reconhecimento. Um ser há muito esperado agora estava ali, materializado, sujo, assustado, vivo. Nascida segura, em meio ao caos global daquele momento.
"O que cabe em nove meses humanos? E há cem anos? E agora? O que espera por você aqui fora? Aprendizados, emoções, experiências, mais emoções. Doenças, tragédias, alegrias, amizades, tristezas e escolhas... tanta coisa em tão pouco tempo."
— Ágata? — Dois olhos castanhos se fixaram em uma barba cerrada e um sorriso amarelado, impulsionado pelo pedaço de papel em sua mão. — Pronto, amor. Está feito.
As preocupações dissiparam-se, momentaneamente.
— Tábata sem 'th', certo?
— Claro, exatamente como você desenhou no papel. — um sorriso sincero e cansado compartilhado entre a mãe que agora amamentava a recém-nascida em seu colo, sob o som e as imagens do noticiário acima.
— Onde está Samuel? — ela terminou de perguntar apenas para notar o filho já debruçado na cama, com os olhos brilhando de carinho em direção à irmã.
— Ela é linda, mãe, como você. — Obrigado, Sam, mas ela ainda está longe de ser linda. Todo bebê nasce assim, minguado, você sabe. — A sinceridade de Ágata era direta.
— Tanto amor aqui, tanta falta dele ali — apontou para a TV. Amor, o noticiário; não precisou completar a frase. O homem que estava sempre por perto, mesmo quando distante, estava focado na cena que se repetia há vários minutos: uma torre acabara de ser atingida por um avião, em Nova York, EUA. Eram aproximadamente 12h da manhã local.
— Querido... — De todos os dias, hoje. Eu deveria ter ficado mais atento. — Não se culpe demais, não importa agora. Você precisa ir. — Eu sei. Mas não quero. Você precisa... — Eu preciso que você cumpra com sua responsabilidade. Estaremos aqui, esperando, como você sempre esperou. Vá logo.
Olhares em cumplicidade, de um casal que se conhecia profundamente, um beijo leve na boca, outro na testa de Tábata. Um cafuné em Sam. "Amo vocês, em breve estarei de volta."
O pesquisador e jornalista virou-se rapidamente, pegou sua bolsa, lançou mais um olhar em direção à cama e saiu da sala.
Nova York, 11 de setembro de 2001. 09h40 am
Um homem caminha resolutamente em direção às duas torres gêmeas, cujas silhuetas agora estavam marcadas pela tragédia. Um segundo avião acabara de colidir com a segunda torre, lançando a cidade que nunca dorme em um caos sem precedentes.
Enquanto ele avança, nuvens densas de fumaça sobem, obscurecendo o céu e cobrindo tudo ao redor. Na avenida que conduz diretamente às torres, seu olhar se encontra com o de um homem de barba branca, que também caminha calmamente em direção ao desastre. Ao seu lado, uma mulher de cabelos ondulados e olhos sérios compartilha o olhar intenso com ele antes de ambos se concentrarem novamente nas torres.
Agora são cinco. Todos se movem juntos, uma pequena constelação de calma no epicentro do pânico. As nuvens de fumaça e uma multidão confusa correm em sua direção, passando por eles sem perceber sua presença. Como poderiam notá-los?
À medida que passam, alguns se acalmam naturalmente. Outros param, confusos, olhando para trás. A maioria cessa a corrida e começa a se afastar a passos lentos.
O grupo cresce para onze. Eles trocam olhares entendidos antes de serem engolidos pela densa fumaça branca. Sirenes, choros, gemidos de terror permeiam o ar. "Essa fumaça vai demorar a baixar."
Florianópolis, Brasil. 11h50 am, longe do caos.
Uma mulher amamenta uma criança recém-nascida, alheia ao pandemônio mundial.
– É, meu amor, parece que as coisas estão saindo do controle novamente.
Ela olha ternamente para seu filho, que com apenas cinco anos já exibe uma aura de irmão mais velho. A convicção de que ele e sua irmã se dariam sempre bem envolve-a com uma sensação reconfortante, apesar das preocupações evidentes em seu olhar enquanto observa as notícias na TV.
"É, tudo vai mudar, de novo."