Os próximos - Capítulo 1
Clara Ana acorda um dia, de manhã, com um sonho ainda nítido na memória: alguém que ela conhecia pensava em tirar a própria vida, mas ela não sabia quem era. E não sabia quando.
1. O Sonho
Clara e Ícaro
Despertou com o coração palpitando.
O ritmo frenético em seu peito ecoava contra o silêncio do quarto onde as sombras dançavam pelas paredes, empurradas pelo vento que agitava as árvores no quintal.
"Não, não, droga! O que...?" murmurou ela, a respiração pesada turvando o ar frio.
Seus sonhos muitas vezes pareciam mais palpáveis que a própria realidade. Naquela noite, o mundo onírico lhe trouxera um fardo que nunca sentira antes.
No sonho, Clara caminhava por uma rua familiar, mas estranhamente deserta. O céu estava pintado em tons de um pôr do sol que nunca terminava, tingindo tudo com uma luz dourada e melancólica. Ela via rostos conhecidos - amigos, familiares, colegas - cada um perdido em seus próprios pensamentos, mas um deles chamava sua atenção. Uma figura solitária, de costas para ela, olhando para o horizonte distante. Algo sobre essa figura a enchia de uma inquietante sensação de urgência.
Acordou com a pele gelada, o sonho ainda vívido em sua mente. A certeza emergia das profundezas de sua alma: aquilo fora um presságio. Alguém que ela conhecia estava em perigo. Mas quem?
O galo cantava no quintal, alheio à tensão que a consumia. Ao seu lado, Ícaro ainda dormia, um contraste de calma à sua agitação.
Quase explodiu de ansiedade ontem e agora não acorda por nada. Ok, amor, você merece descansar, ela pensou, suprimindo a ansiedade noturna que tentava retomar seu sono, agora completamente evasivo.
O sonho se esvaía, mas a imagem da figura solitária permanecia, um frio na espinha. O arranhar na porta a trouxe de volta.
"Calma, Oscar, já vou," disse, ao se levantar para atender ao gato impaciente, seu despertador peludo e infalível. Um afago, alguns tapinhas carinhosos e um sussurro: "Anda, vamos comer."
Enquanto Oscar se dedicava à ração, o aroma de café invadia o ambiente e puxava as lembranças da noite. A água caía poeticamente da chaleira quando Ícaro, atraído pelo cheiro, apareceu na porta da cozinha.
"Nada te acorda, a não ser café," brincou Clara.
"Humm, você não faz ideia do quanto estava precisando disso," respondeu ele, esfregando os olhos.
"Ícaro, tive outra vez aquele sonho... e foi intenso. Sinto que preciso fazer algo."
Enquanto o dia despertava lentamente, o casal sentava-se à mesa da cozinha, o aroma do café recém-feito misturando-se aos sons suaves da cidade que começava a acordar, distante de seu bairro. Clara, distraída, fazia carinho em Oscar com os pés, sentindo a textura suave dos pelos do gato enquanto falava.
"Ícaro, você não sente isso? A urgência desse sonho?", sua voz flutuava suavemente sobre o som da chaleira.
Ícaro a escutava, mas seu olhar estava perdido para o quintal, através da porta da cozinha aberta. Uma tristeza sutil tocava seus olhos enquanto ele respondia lentamente, "Eu sinto... sinto sua preocupação, Clara. Mas como podemos saber? Como podemos realmente ajudar?"
"E se fosse você? Ou eu?", Clara insistiu, seu tom baixo carregado de preocupação. "Não podemos ignorar isso, Ícaro. Precisamos pelo menos tentar."
Ícaro voltou seu olhar para ela, a sinceridade em seus olhos encontrando os dela. "Clara, eu sei. E eu estarei com você em cada passo. Só... só espero que estejamos preparados para o que encontrarmos."
Clara assentiu, seus olhos fixos nos dele, um entendimento tácito selando um compromisso silencioso. "Vamos começar a fazer a marcar com alguns amigos hoje. Conversar com cada um, olho no olho. Precisamos ver... sentir se estão bem."
O silêncio que se seguiu era pensativo, pontuado apenas pelo som do café pingando e do vento sussurrante que agitava as folhas lá fora. Juntos, em meio ao crescente burburinho da manhã, eles traçavam um plano que talvez pudesse fazer a diferença.
Continua…