Os Próximos - Capítulo 3
Um amigo de Clara e Ícaro cria coragem para uma confissão. A nostalgia invade uma conversa saborosa na feira.
3. Coragem
Pedro
Clara e Ícaro estavam sentados em um banco de praça, cercados pela tranquilidade do fim de tarde. As folhas das árvores balançavam suavemente com a brisa, e o som distante de crianças brincando misturava-se com o canto dos pássaros. Ambos estavam imersos em seus próprios pensamentos, processando os encontros recentes. Clara segurava seu celular, olhando para os nomes de seus amigos na lista de contatos.
— Próximo da lista, lindão. Quem vamos ver agora? — perguntou, tentando manter o tom leve, embora a preocupação ainda pairasse em seu olhar.
— Que tal o Pedro? — Ícaro sugeriu, desviando o olhar da paisagem para encarar Clara. — Ele sempre foi tímido, uma pedrinha de sentimentos, talvez esteja precisando de uma força agora.
Clara assentiu, lembrando-se do amigo que sempre marcava presença nos encontros da galera, quando esses eram constantes e toda semana acabava em um lugar bacana entre amigos raros. Antes de todos irem se afastando, tão imperceptivelmente quanto os continentes, até que a distância, o trabalho, os pesos dos acontecimentos diários criassem um universo incompartilhável para cada um. Um tempo em que Pedro queria, mas nunca conseguiu expressar seus sentimentos por uma amiga em comum.
— Sim, o Pedro! Acho que é uma boa ideia. Vamos marcar com ele.
Clara digitou rapidamente no celular, enviando uma mensagem para Pedro. Poucos minutos depois, uma resposta chegou. Eles combinaram de se encontrar na feirinha da cidade no dia seguinte.
Chegaram à feirinha um pouco antes do horário combinado. O lugar estava movimentado, com barracas coloridas vendendo artesanatos, frutas frescas e comidas rústicas. O aroma de pastel fresco e suco de frutas preenchia o ar, trazendo uma sensação de conforto e nostalgia. O sol projetava sombras em movimento dos transeuntes em busca da próxima barraca.
— O que você acha que devemos dizer a ele? — Ícaro perguntou, enquanto mexia na garrafa de suco à sua frente, reflexivo.
— Acho que só ser nós mesmos. Conversar sobre coisas triviais e ver como ele está. Vamos deixar que ele se sinta à vontade para se abrir — Clara tentou soar confiante.
Ambos ficaram em silêncio, com olhares distantes, até que Pedro chegou, quebrando o iato intangível assentado, com um sorriso tímido no rosto. Tinha os cabelos castanhos levemente bagunçados e vestia uma jaqueta jeans que parecia um pouco grande para ele. Aproximou-se da barraca de pasteis onde Clara e Ícaro estavam e cumprimentou os amigos.
— Ei, pessoal. Desculpem a demora. Trânsito, sabe como é — disse, sentando-se e olhando para Clara e Ícaro com um sorriso envergonhado.
— Sem problemas, Pedro. Estamos felizes que você veio — respondeu Clara, com um sorriso caloroso. — Cara, quanto tempo!
A conversa começou com tópicos leves, relembrando os tempos de escola e as memórias compartilhadas. Aos poucos, a tensão inicial foi se dissipando. Clara e Ícaro perceberam que Pedro estava mais à vontade, rindo das piadas e compartilhando histórias engraçadas.
— Então, Pedroca, como estão as coisas? — perguntou Ícaro, aproveitando uma pausa na conversa. — Acho que a última vez que nos vimos você estava sentado no balcão do Euro Pub, tomando uma pilsen e tentando criar coragem pra algo — Ícaro deu um sorriso cúmplice para o amigo.
Pedro hesitou por um momento, mas logo respondeu.
— Tenho estado bem, acho. Trabalho, estudo... a rotina de sempre. — Ele deu de ombros, tentando disfarçar a preocupação que claramente pairava sobre ele. — E aquela coragem, bem, nunca veio — completou.
Clara inclinou-se um pouco para frente, tentando captar melhor as emoções do amigo.
— E quanto ao coração, Pedro? Alguma novidade desde aquela época? — perguntou com um tom gentil, mas direto.
Pedro corou ligeiramente e olhou para seu copo de suco.
— Bem... tem uma coisa. Mas não sei se devo falar sobre isso.
— Relaxa. Você pode falar sobre qualquer coisa conosco, Pedro. Sabe disso — disse Ícaro, encorajando-o. — Sei que tá todo mundo meio longe, parece que o tempo esticou um vão entre a nossa galera, mas a amizade permanece.
Pedro respirou fundo e começou a falar, a voz um pouco trêmula.
— Na verdade, eu gosto de uma amiga nossa há muito tempo.
— Ah, JURA!? — Ícaro não resistiu.
— Shhh, cabeção! Não liga pra ele, Pedro, é um fanfarrão desde sempre.
Pedro olhou para Ícaro, rindo.
— Sabia que era óbvio, mas, bem, nunca tive coragem de dizer a ela. Tenho medo de estragar a amizade ou de ser rejeitado. Essa é a real, sempre me senti assim.
Clara e Ícaro trocaram olhares. Clara colocou a mão no ombro do amigo.
— Entendemos como se sente, amigo. Às vezes, abrir o coração pode ser assustador, mas também pode trazer uma libertação que você nem imagina. Finge que a gente não sabe e nos diga: quem é essa amiga?
Os três soltaram gargalhadas nervosas, mas aliviadoras. Pedro hesitou novamente, mas finalmente respondeu.
— É a Marina. Sei que ela passou por um término difícil recentemente, e não quero pressioná-la ou fazê-la se sentir desconfortável.
Clara e Ícaro se entreolharam, sorrindo com a já esperada coincidência. Ela emendou:
— Pedro, Pedroca, presta bem atenção. Tomamos um café com a Marina faz pouco tempo, foi bom demais e conversamos um monte. Se tem uma coisa que a Mari tem de sobra é resiliência, ela é uma pessoa forte, e merece saber que alguém se importa profundamente com ela. Talvez seja o momento certo para você ser honesto sobre seus sentimentos — sugeriu, com um sorriso encorajador.
— E no mais, demorou né cara. Acho que vocês se conhecem há tempo demais para poder falar o que sente sem medo de perder a amizade. — Ícaro completou, dando um leve tapa na nuca do amigo.
Pedro suspirou, ponderando sobre as palavras dos amigos.
— Vocês acham mesmo? Tenho tanto medo de machucá-la ou de me machucar.
Ícaro assentiu, adotando um tom agora mais formal.
— Às vezes, o medo pode nos paralisar, cara. Mas ser honesto com seus sentimentos é a única maneira de seguir em frente, seja qual for o resultado. E estaremos aqui para apoiar você, aconteça o que acontecer.
Pedro sorriu timidamente, mas com gratidão evidente em seus olhos.
— Obrigado, pessoal. Vou pensar nisso. Talvez já tenha mesmo passado da hora.
A conversa continuou por mais algum tempo, com Pedro parecendo mais aliviado e confiante. Lembranças do tempo que ele e Ícaro trabalhavam juntos vieram à tona, e eles lembraram dos inúmeros rolês de final de semana, seja em uma balada, barzinho, passeando pela cidade com a turma ou jogando games online juntos. Quando a tarde começou a se despedir, eles se levantaram e se despediram com abraços calorosos.
Clara e Ícaro observaram Pedro se afastar, sentindo-se satisfeitos com o encontro.
— O que acha? Ele vai falar com a Marina?
Clara sorriu, segurando a mão do namorado.
— Acho que sim. Ele só precisava de um empurrãozinho. Mas sinceramente, acho que isso foi o de menos.
— É, estava com saudades desses encontros.
— Totalmente — Clara deu uma encostada de ombro no namorado, que retribuiu com uma pequena encostada lateral entre as suas cabeças.
— Tá, e agora, quem é o próximo da lista?
Ícaro puxou o celular do bolso e começou a procurar os próximos contatos.
— Vamos ver... Acho que está na hora de falar com a Carol.
Clara concordou.
— Vamos nessa. Um passo de cada vez. Mas hoje não, esse papo me despertou uma nostalgia boa.
— Bora no Euro Pub?
— Eu tô mais para uma partida de Left for Dead.
— Demorou.
(Continua…)